07 Aug 2019 | Entrevistas
A lição de Sócrates
Semanalmente, você encontrará uma entrevista neste espaço. Para inaugurar esta série, convidamos o pensador, escritor e fundador da 50-50 SEL SOLUTIONS, João Roberto de Araújo. Septuagenário, esse ousado visionário busca a expansão mundial da sua experiência como educador socioemocional. Ele tem o elevado propósito de fazer chegar, até o ano de 2050, sua contribuição em Educação Socioemocional, pelo menos, a 50% da população mundial. Para esse fim, conta com a participação de uma rede de complementadores, com a intenção de “ser ponte” entre tantas necessidades e as possíveis respostas.
Teresa Magalhães, escritora e professora de Literatura, foi convidada para entrevistá-lo.
Teresa – Sabe-se que há muito tempo você desenvolve o trabalho de Educação pela Paz. O que dá sustentação à sua luta?
João Roberto – Em tempos de navegações cibernéticas e globalizadas, tomo como bússola o verso dos antigos marinheiros: navegar é preciso. Os mares existenciais alternam tormentas e calmarias, imprecisões e necessidades. São as dores da violência tatuadas na humanidade, pontuadas pela alternância de serenidade e pelo desejo de vislumbrar o horizonte calmo, com terra à vista. Para navegar essas águas, ora revoltas, ora serenas, com superfícies visíveis e profundezas desconhecidas, o meu barco é o da humildade. Há questões conhecidas que são o meu leme e me guiam. Mas meu conhecimento está cheio de equívocos, de erros. Como diz Edgar Morin, antropólogo, sociólogo e filósofo francês, há cegueiras no conhecimento, há ilusões. Por essa razão, meu posicionamento é de compreensão e aceitação do desconhecido, do mistério e da ignorância. Tal perspectiva parece que me deprecia, mas não. Percebo que ele traz uma grandeza.
Para que meu olhar seja compreensível, quero trazer à luz o diálogo lendário atribuído a Sócrates. Certa vez, um discípulo perguntou-lhe: – Mestre, quem é o sábio? Ele respondeu com serenidade: – O sábio é aquele que sabe que não sabe, porém vai procurar saber sempre, mesmo sabendo que nunca vai saber por inteiro. Quer dizer, o sábio não desiste, continua buscando respostas, sempre. Conta a lenda que o discípulo, aproveitando a oportunidade, fez-lhe outra pergunta: – Mestre, e o idiota? Quem é ele? – O idiota é aquele que diz que sabe.
Não quero começar nosso diálogo dizendo que domino as respostas todas. Quem ousa afirmar isso desconsidera a complexidade que está no cerne de todas as questões. E não há limitação maior do ser humano do que não perceber a complexidade dos fenômenos físicos, biológicos e, particularmente, os da vida humana… Toda dor e todo sofrimento que experimentamos nasce da ignorância. As angústias de natureza psicológica e mental são frutos de nosso obscurantismo. É nessa perspectiva que vou falar. É a partir do meu conhecimento, mas, também, da minha ignorância. Claro que há o conhecido. Existe a ciência, que explica o passo a passo com a racionalidade das suas metodologias. Quando se faz uma intervenção cirúrgica, há a ciência como sustentáculo desse processo. Ela explica muita coisa, e nós nos apropriamos das informações, buscando respostas nas pesquisas, nos estudos científicos. Porém, não só pela ciência nos apropriamos do conhecimento. O homem também se apodera do saber pela arte. Ela não explica os fenômenos. A arte intui e produz a transformação do outro. A intuição é um atalho da lógica. De repente, a pessoa vê uma expressão artística e não sabe apreendê-la racionalmente, mas ela o comove e o transforma.
A Filosofia questiona. Esse é o caminho que mais me encanta. Questionar é preciso! A vida é um ponto de interrogação. O tempo todo nós indagamos, e a maior bênção que temos é manter acesa a força da pergunta. Ao indagar, o ser humano se apropria dessa complexidade instigante que está em seu entorno. Há também as tradições que não explicam os fenômenos; não intuem, não questionam valores, mas trazem uma bagagem, que está nas culturas. As próprias religiões fazem parte dessas tradições, o que também contribui para o conhecimento humano. É preciso ter muito cuidado, porque a dimensão do conhecimento científico não é a dimensão maior. Existe a extensão imensa do ignorado. Portanto, valorizo o mistério – é até um sentimento de religiosidade, no sentido de ser parte de algo maior, de estar diante do todo incognoscível. Tenho profundo respeito por essa dimensão misteriosa e desconhecida. O ser humano sempre teve a pulsão de explicar o não conhecido, como o homem primitivo que olhava o Sol, a Lua e imaginava muita coisa. Ele inventou a partir disso. A imaginação questionadora e investigativa cria a ação e a decorrente experiência. O mistério explicado não fecha as questões, por sua amplitude e seus secretos emaranhados. Diante dele, ninguém sabe mais ou menos. É o caso dos temas transcendentais que interrogam: – De onde vim, para onde vou?
Há as questões que vão além do potencial lógico disponível para os humanos. Questões metafísicas abraçadas pelas religiões estimulam nossa imaginação, na tentativa de caminhar no mundo do mistério, porém, são crenças, merecem todo o respeito, trazem o benefício da fé que ajuda na travessia de tantas pessoas, mas não asseguram nenhuma certeza. A vida é repleta de incertezas, com poucas e provisórias zonas de segurança. Portanto, por ora, quero falar sob a perspectiva da ciência, fazendo algumas considerações a respeito do ser humano por meio de sua maravilhosa imaginação, que gerou a Mitologia, as religiões, as tradições.
Você me pergunta o que dá sustentação à minha luta na construção da paz. Descontentes, experimentamos o amargo da violência em nossas histórias de vida. Eu também senti esse sabor, socialmente e na vida privada, nas relações afetivas íntimas. Vivi muito de perto as dores profundas de quem sofre. Conheci o desespero daquele que não enxerga alternativa para continuar sobrevivendo, e que se entrega à violência autoinfligida. Conheci pessoas que, diante de emoções desconfortáveis, não souberam canalizar construtivamente a dor das frustrações. Conheci o analfabetismo emocional e desejei colocar atenção, força e luta nessa direção. Estou seguro de que a felicidade que tanto buscamos virá com a educação socioemocional. Sou otimista nesse sentido.