04 Nov 2019 | Entrevistas
A violência ontem e hoje
Teresa – Hoje, a violência é maior que ontem?
João Roberto – O planeta é atravessado por redes de comunicação. Televisão, celulares e internet nos banham de informações, especialmente com o apelo sensacionalista para a violência, que se transformou na matéria-prima essencial da mídia. Estamos submetidos à condição de espectadores do sofrimento alheio. Nunca estivemos tão próximos de um senso de responsabilidade universal, de uma possível ética planetária e de profunda rejeição dos mecanismos produtores de opressão.
Temos, no nosso simplismo, a percepção errônea de que agora o ser humano é mais cruel. Todavia, a violência do passado foi muito maior que a do presente. Estamos em um processo de humanização em que o ser humano recupera e desenvolve a natureza cooperativa e o cuidado com o outro. Temos acesso à notícia com uma rapidez nunca vista, e as dores humanas são estampadas no rosto dos jornais, das revistas, a toda hora, em tempo real. Também hoje nos indignamos mais. A violência nos incomoda muito mais. Não faz muito tempo, quando se via um filho sendo massacrado pela família, as pessoas não se intrometiam. Ou quando presenciavam, no casal, a violência do homem contra a mulher, dizia-se: – O problema é deles, não se meta. – Na atualidade, já há aparatos para refrear a violência doméstica e familiar contra as crianças e a mulher. O Estado interfere nas relações familiares. Há uma transparência maior.
É só lembrar a escravidão, prática social em que um ser humano tinha direitos de propriedade sobre outro a quem chamava de escravo, condição imposta pela força. O escravo era visto como mercadoria.
É recente o voto da mulher, ela não tinha direito ao voto. Quer violência discriminatória maior do que essa? Apenas em 1918, quando terminou a Primeira Grande Guerra, foi dado o direito do voto às mulheres inglesas com mais de 30 anos.
Na Grécia clássica, a mulher era nivelada a um animal. Existiam três tipos de mulheres: as cortesãs, as concubinas e as esposas. Todas elas sem valor social e vítimas da violência masculina e patriarcal. Como sempre, em toda regra há curiosas exceções. Uma mulher que se destacou, nessa época, Aspásia, era uma cortesã do mundo grego clássico. Ela foi grande parceira do rei Péricles, na Era de Ouro de Atenas. Tudo de maravilhoso aconteceu no período de Péricles. Ele impulsionou as artes e a literatura, incentivou a democracia ateniense. Sua amante, Aspásia, era famosa pela inteligência e beleza. Promoveu muitos saraus em sua casa, como também participou da vida política de sua época. Fundou uma escola de filosofia e retórica, absoluta surpresa em um mundo de homens que submetiam e violentavam as mulheres. As cortesãs, pouquíssimas, atendiam aos interesses sexuais dos homens e, algumas poucas, participavam de encontros filosóficos. Em seguida, nessa desvalorizada posição social, vinham as concubinas, muitas somente para os prazeres do sexo. Em último lugar, também insignificantes no contexto social, ficavam as esposas, para procriar, cozinhar e manter a virtude do silêncio. Não ver nada, não escutar nada e não falar nada era a regra de conduta delas. Verdadeiras escravas. Na casa grega, as mulheres viviam confinadas em um espaço secundário, da lareira, da cozinha, o gineceu, enquanto os homens viviam no espaço nobre, dos simpósios, o androceu. Essa é a pesada herança de violência contra a mulher que recebemos do nosso berço cultural. Não é ingenuidade afirmar que hoje a violência é menor. É só olhar para trás e observar, entre tantas, as questões pontuais que destaquei.
João Roberto de Araújo é pensador, escritor de conteúdos para educação socioemocional e fundador da 50-50 SEL Solutions.