07 Aug 2019 | Artigos
Onde nasce a violência
Existe alguma questão que requeira mais reflexão e mais compreensão do que onde a violência nasce no ser humano? É oportuno, a priori, compreender melhor o conceito de violência. A Organização Mundial da Saúde a define da seguinte forma: “Uso intencional de força física, ameaças contra si mesmo, outra pessoa, um grupo ou uma comunidade que resulte ou muito provavelmente resultará em trauma, dano psicológico, problemas de desenvolvimento ou morte”. Ressaltamos que não há apenas violência explícita, como tiros, facadas e lesões corporais. Ao lado dela, e em escala maior que ela, está a violência psicológica invisível que fomenta, na relação metafórica com os icebergs, condições desastrosas de dano mental e privação do desenvolvimento humano. É de Tensin Gyatsu, o dalai-lama, a frase que bem caracteriza essa situação: “Palavras não usam armas, mas ferem o coração”.
É importante notar a extensão do conceito de violência. No entanto, é essencial entender como isso surge. Nossa mente abriga pensamentos e emoções. Experimentamos muitas sensações em nosso dia a dia e, generalizando, facilmente distinguimos dois sentimentos muito básicos: o primeiro é o de satisfação, que ocorre quando nossos desejos, aspirações e necessidades são realizados. Estamos com sede e há água, estamos com fome e temos comida, precisamos de um ombro amigo e alguém vem falar conosco e nos apoiar. Isso é satisfação, um sentimento que favorece o calor interno, um estado positivo que nos deixa serenos pela realização de nossas expectativas. Todos conhecemos esse sentimento nas suas dimensões, nomeadamente fisiológicas, psicológicas e filosóficas, e compreendemos a sua importância. No entanto, também experimentamos, todos os dias, um sentimento oposto: a frustração. Estou com sede, mas não tem água, estou com fome, mas não tenho comida, preciso de alguém por perto, mas ninguém liga para mim, ligo no telefone e mando flores, mas ninguém me atende. Isso é frustração. Todos nós conhecemos essa sensação e sabemos o desconforto que ela produz. Poderia ser feito um balanço no final do dia, do mês, de um período da vida e até da vida inteira, no que diz respeito a se nos percebemos com mais satisfações ou frustrações.
Frustração tem uma filha cujo nome é bem conhecido: agressividade. A agressão nasce de um estado de frustração. Como é natural que a vida nos ofereça “nós”, a frustração também é natural e, da mesma forma, a agressividade, cuja etimologia latina, agredire, significa levantar-se e ir na direção de algo. Assim, principalmente para os educadores, é importante entender que a agressividade não é necessariamente ruim. Há uma agressividade boa, positiva e construtiva que nos coloca em pé e na direção da busca de soluções e alternativas para quebrar obstáculos e realizar nossas necessidades e sonhos. A agressão nos tira do sofá e nos desencadeia.
A realidade diz não e eu digo sim, eu quero. Eu me levanto e vou na direção do que procuro. Não podemos desejar que uma criança ou um adulto não seja agressivo. A agressão é essencial, pois promove a continuidade e o desenvolvimento da vida: os jovens que não passam no vestibular cortam os excessos da diversão e das saídas noturnas e se concentram e organizam o tempo para os estudos, em uma nova postura construtiva. Da mesma forma, no nono mês de gravidez, a gestante sente-se desconfortável, ansiosa e, portanto, frustrada. O bebê, que também se sente desconfortável por falta de espaço, também fica frustrado. Desse quadro de frustração de ambos, expresso por meio de respostas fisiológicas e psicológicas, surge a agressividade que dá origem à vida. Assim, nossa própria vida está relacionada à capacidade de expressar a agressividade de forma construtiva.
Existe, no entanto, outra agressividade que não é boa, mas má, que não é da luz, mas das sombras, que não é construtiva, mas destrutiva. Essa é a agressividade que chamamos de violência. É uma energia que se perverte, que se desvia para diferentes formas de destruição, mesmo para a autodestruição. É então apropriado fazer uma pergunta básica: por que às vezes a agressividade é canalizada de forma construtiva e às vezes é expressa por meio da destruição e da violência? O desequilíbrio significativo entre satisfações e frustrações e a incapacidade de a agressividade se expressar de forma criativa e produtiva pode fornecer a resposta. Quando na vida de alguém existe um profundo desequilíbrio entre satisfações e frustrações, e estas predominam, a agressividade é canalizada através da violência. Ela se desvia de sua condição natural e é canalizada para a destruição.