24 Oct 2022 | Artigos
Polarização: compreender não significa concordar
Nos Estados Unidos da década de 1980, havia muitos conflitos em torno dos debates sobre o aborto. A tensão era tamanha que clínicas que prestavam serviços ligados a essa pauta eram frequentemente invadidas, depredadas e incendiadas. O debate não avançava porque as pessoas estavam tão polarizadas a favor e contra o aborto que não conseguiam sequer dividir o mesmo espaço para tentar dialogar. Havia o grupo pró-vida (pro-life), contra o aborto, defendendo o direito das crianças de nascer, e havia o grupo pró-escolha (pro-choice), defendendo o direito das mães de escolher interromper a gestação caso julgassem necessário. Os dois lados protestavam por seus direitos e um considerava o outro equivocado, mal-intencionado, desonesto, ruim. Enfim, eram essencialmente inimigos. Nessa atmosfera, a violência aumentava a cada manifestação ou protesto.
Muitos dilemas sociais não podem simplesmente ser compreendidos como certos ou errados. Existem muitas camadas e perspectivas variáveis para se levar em conta, já que o que funciona em um caso pode não se aplicar ao outro. Há uma tendência a se solidarizar ou compreender somente aqueles com quem concordamos. Quer dizer, se consigo enxergar “sentido” ou “razão” nas pautas e dores do outro, suas lutas, direitos e reivindicações se tornam válidos para mim. Do contrário, não.
O Public Conversation Project é um exemplo bem-sucedido de como podemos prosseguir em situações muito “polarizadas”, nas quais enxergamos “inimigos” em vez de interlocutores. Por mais que você discorde da posição de alguém em um debate, não há como discordar de sua história de vida pessoal. A seguir, veja algumas etapas do diálogo de mediação que podem funcionar em múltiplos contextos.
- 1) Existe algo que você queira compartilhar com o grupo sobre suas experiências de vida que possa ajudar os outros a entenderem seus pensamentos e sentimentos sobre o tema?
- 2) Qual o principal ponto da questão para você? O que é mais importante e o toca mais?
- 3) Fale sobre qualquer conflito de valores, “áreas cinza” ou incertezas que sentiu enquanto pensava sobre o assunto. Por exemplo, pense em uma ocasião em que valores muito importantes para você entraram em conflito com outros valores igualmente importantes, ou quando você se sentiu puxado para duas direções diferentes.
Conheça seu interlocutor para além do assunto que gera divergência. Mesmo sendo um antagonista, essa pessoa é um ser humano com outros interesses, vivências, afetos, sonhos, valores. Consegue identificar na pessoa algo que possa compreender ou até apreciar? Há algo em comum entre vocês?
As concepções e posições que temos na vida estão intimamente ligadas a nossa história pessoal. Portanto, histórias diferentes produzem valores diferentes. Procure saber sobre a história de vida do interlocutor em relação ao tema discutido. Isso pode ajudar muito a humanizar tensões e desfazer a imagem de “inimigos”.
Se ambos se sentirem seguros e confortáveis, fale sobre incertezas. Com um pouco de paciência e abertura, geralmente as pessoas podem falar sobre seus dilemas e dúvidas a respeito de temas em relação aos quais, anteriormente, mantinham certezas inquestionáveis. Lembre-se: é possível compreender e discordar ao mesmo tempo.